quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Positivismo - Augusto Comte

O POSITIVISMO

(NA VISÃO DE AUGUSTE COMTE)

Auguste Comte (1798-1857), nascido em Montpellier, França, tornou-se discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. Sua principal característica foi a devoção aos estudos e à filosofia positivista.

A definição de Auguste Comte quanto à sociologia é de que ela deve ser vista como uma ciência da sociedade, denominando-a, inicialmente de "física social".

Baseando-se na definição de que a sociologia é uma ciência da sociedade, bem como apoiando-se no conselho dos pensadores iluministas do século XVIII, que afirmavam que podemos entender as leis da sociedade humana aplicando-se os instrumentos da ciência, Auguste Comte insere uma nova teoria da sociedade, denominada "positiva".

A "teoria positiva" partia do princípio de que os homens deveriam aceitar a ordem existente, não devendo contestá-la. Assim, também, ao ser humano cabe "revelar" o mundo não existindo a possibilidade de "mudá-lo".

O objetivo da sociologia, portanto, é definir o que a sociedade é e não dizer o que ela deveria ser.

O positivismo está alicerçado na prática da coleta de dados sobre determinada sociedade, cuja análise será feita através da constatação e confirmação desses dados.

É composto pela experimentação, pelo pragmatismo e pelo empirismo.

Não basta, portanto, a apresentação de idéias vagas, sem consistência, e, principalmente, sem fundamentação.

Para Auguste Comte as leis estabelecidas pela ciência deverão ser aceitas, não podendo haver nenhum tipo de contestação quanto ao que elas afirmam ou impõem.

A crença no que de fato existe é primordial.

A verdade científica trata dos fenômenos ou fatos dominantes ou constantes, não tendo como objetivo atingir as causas, limitando-se apenas a constatar a "ordem que reina no mundo".

A evolução do intelecto e da consciência do homem só serão possíveis se este voltar-se para o passado, portanto, a ciência deve revelar uma ordem e permitir a ação do homem, caso contrário, sua existência de nada valeria.

As leis da natureza são sólidas, verdadeiras. Trata-se do mundo intelegível, motivo pelo qual Auguste Comte diz que o homem não deveria estar preocupado com as questões futuras, nem prender-se a detalhes.

Para Auguste Comte havia uma hierarquia na natureza, podendo compor-se de fenômenos simples ou complexos, sendo de natureza orgânica ou inorgânica, inerente aos seres vivos e ao homem.

Sua visão era de que o mundo poderia ser interpretado partindo-se do princípio de que havia um condicionamento que era feito pelo inferior ao superior, porém não havia como determiná-lo, ou seja, os fenômenos da vida ou fenômenos sociais eram condicionados, porém não determinados pelos fenômenos químicos e físicos.

A Sociologia, segundo Comte, deve exercer uma espécie de magistratura espiritual, pois todas as ciências se voltam para ela, por representar o nível mais alto de complexidade, de nobreza e de fragilidade.

A humanidade é o único referencial para se obter as informações necessárias quanto aos conhecimentos e métodos existentes.

Portanto, a Sociologia é a ciência do entendimento, pois para se entender o espírito humano será necessário observar sua atividade e sua obra na sociedade, através dos tempos.

O modo de pensar e a atividade do espírito são solidários com o contexto social, estando vinculados a uma determinada época de cada pensador.

Para Auguste Comte o homem precisa amar algo que seja maior do que ele, pois a sociedade necessita de um poder espiritual, ou seja, o homem deve amar aqueles, que de alguma maneira, perpetuaram suas idéias ou ideais e que, com isso, colaboraram para com a humanidade.

Desta feita, a sociologia passa a ser uma abordagem científica para compreender a vida social do homem, como também uma perspectiva que se preocupa com a natureza do ser humano, o significado e a base da ordem social e as causas e conseqüências da desigualdade social.

A sociologia é, portanto, uma tentativa de compreender o ser humano em grupo. Concentra-se em nossa vida social.

Não enfoca a personalidade do indivíduo como a causa do comportamento, mas examina a interação social, os padrões sociais e a socialização em processo (origem e desenvolvimento das sociedades.

Auguste Comte pretende, com sua "teoria social", separar definitivamente toda e qualquer influência proveniente da filosofia, da economia ou da política, enfocando somente um aspecto para objeto de estudo, "o social", que deve ser analisado sem tais influências.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Tarefa de Sociologia

Ler a entrevista do "mundo jovem-poder" e responder:
http://www.mundojovem.com.br/entrevista-03-2008.php

a) Qual a pertinência do assunto?
b) Destaque os pontos que você considera mais relevante da entrevista. Justifique.

Desejo - Carlos Drummond Andrade

DESEJO

Carlos Drummond de Andrade

Desejo a vocês...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Filme do Carlitos
Chope com amigos...
Frango caipira em pensão do interior
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho.
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Bater palmas de alegria
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.

Norberto Bobbio

Bobbio foi um actor importante no combate intelectual que conduziu ao confronto entre as três principais ideologias do século XX: o nazi-fascismo, o comunismo e a democracia liberal. Confronto que é responsável, em grande parte, pela arquitectura do sistema internacional e pela divisão do mundo em dois blocos políticos, militares e ideológicos que subsistiu até 1989.

Seu pensamento, durante grande parte da maturidade de sua carreira, esteve circunscrito ao círculo restrito dos meios intelectuais italianos, mas vem se tornando gradualmente conhecido em todo o mundo, primeiro por força dos seus estudos de filosofia do direito, sobre o jusnaturalismo e positivismo jurídicos, sobre a constructibilidade dos sistemas constitucionais, depois, pelos seus ensaios e polémicas sobre a democracia representativa, o ofício dos intelectuais, a natureza e as múltiplas dimensões do poder, a díade esquerda-direita, o futuro de um socialismo não-marxista e democrático, e finalmente os problemas da relação truculenta entre ética e política.

Será portanto difícil integrar a sua figura de pesquisador incansável, pensador persistente, de homem da cultura com relevante influência política e social, que não se esgota na actual estratificação político-partidária. Homem da escrita, da polémica acutilante e contundente, de convicções e temores, professa um pensamento coerente e exigente que se estriba nos valores de uma sociedade livre, democrática e laica que seja capaz pela prática do diálogo e da tolerância de vencer as suas dificuldades e realizar as promessas de progresso e desenvolvimento com que se comprometeu.

Por isso o seu pensamento político, constitucional e filosófico casa mal com escolas e fidelidades e não enjeita uma dimensão ética e transcendental a que paulatinamente se acerca. Parte de uma reverência especial das lições dos seus mestres intelectuais e de vida: Kant, Rousseau, Hobbes, Kelsen mas também Benedetto Croce, Max Weber, Solari, Schmitt, nos primeiros – Passerin d’Entreves, Luigi Einaudi, Renato Treves, Giole Solari, nos segundos. Continua nos exemplos dos seus companheiros: Aldo Capitani, Rodolfo Monfoldo, Leone Ginzburg que marcam a sua ligação a: "essa minoria de nobres espíritos que defenderam até ao fim, uns com o sacrifico da própria vida, nos anos duríssimos, a liberdade contra a tirania, a tolerância contra o atropelo, a unidade dos homens acima das raças, das classes e das pátrias, contra a divisão entre eleitos e réprobos" para preencher os caminhos de uma vida intelectual plena como homem da razão e da tolerância.

No campo da Filosofia do Direito Norberto Bobbio incorpora-se na corrente dos que identificam no corpo doutrinal três áreas de discussão: uma área ontológica, da Teoria do Direito, que se preocupa com o direito com existe, procurando alcançar uma compreensão consensualizada dos resultados da Ciência Jurídica, da Sociologia Jurídica, da História do Direito e outras abordagens complementares; uma área metodológica que compreende uma Teoria da Ciência do Direito e que recai no estudo da metodologia e dos procedimentos lógicos usados na argumentação jurídica e no trabalho de aplicação do Direito; e, por fim, uma área filosófica materializada numa Teoria da Justiça como análise que determina a valoração ideológica da interpretação e aplicação do Direito, no sentido da valorização crítica do direito positivo.

Bobbio, justiça e liberdade


Nascido em Turim, no dia 18 de outubro de 1909, filho de uma família burguesa do norte da Itália, Norberto Bobbio praticamente viveu o século XX por inteiro, vindo a falecer na mesma cidade aos 94 anos, no dia 9 de janeiro de 2004. Ele tornou-se, nos últimos anos, o pensador político italiano mais famoso do mundo e, bem ao contrário de Nicolau Maquiavel, seu conterrâneo que viveu no Renascimento, tornou-se um diligente ativista dos direitos individuais e não um apologista dos poderes do estado. Bobbio, emérito professor de Direito e Política em Turim, um filósofo da democracia, foi um insuperável combatente a favor dos direitos humanos.

No partido da ação




"Cultura é equilíbrio intelectual, reflexão crítica, senso de discernimento, aborrecimento frente a qualquer simplificação, a qualquer maniqueísmo, a qualquer parcialidade".
N. Bobbio, em carta a G.Einaudi, julho de 1968

Numa Itália dilacerada desde a queda de Mussolini, ocorrida em 25 de julho de 1943, assistindo as forças alemãs do marechal Kesselring e as anglo-americanas do marechal Alexander a travarem batalhas de vida e morte, é que renasceu o pequeno Partito d´Azione, o partido da ação. No século XIX, no chamado Ressurgimento, época das lutas pela unificação nacional, ele fora o instrumento dos patriotas G.Mazzini e de Garibaldi. Voltara à vida liderado por Guido Calogero e por Aldo Capitini, congregando basicamente um grupo de intelectuais preocupados em recuperar a liberdade italiana. E, entre eles, estava Norberto Bobbio, então um conhecido professor de filosofia política de 34 anos.

Como estavam numa área ainda sob controle fascista, a maioria deles foi presa, sendo que Bobbio, encarcerado na Scali di Verona, só foi libertado três meses depois, em fevereiro de 1944. Era uma agremiação estranha aquela pois se dizia liberal-socialista, uma composição somente possível na Itália.

Pois foi justamente assim, como liberal-socialista que Norberto Bobbio se projetou internacionalmente como um nome ligado à teoria política. Apesar do partido dele ter-se esfumaçado na guerra fria, quando o país se dividiu entre a democracia-cristã e os comunistas, Bobbio, dedicando-se ao jornalismo no periódico turinês “Giustizia e Libertà”, cresceu em fama levando pedradas dos dois lados.

Os três cardeais




No século XX, a Itália conhecera três cardeais seculares. Famosos homens de letras e pensamento ao redor dos quais se deram os enfrentamentos ideológicos e culturais. Um deles era o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que seguiu o fascismo até o fim; outro fora o notável crítico e historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador vitalício e personagem maior do liberalismo italiano; o derradeiro deles era o pensador marxista Antônio Gramsci (1891-1937), líder do partido comunista, morto na cadeia. Bobbio, ao colocar-se ao lado da Resistência antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre os outros dois: Croce e Gramsci.

Quer dizer, aproximar a tradição liberal da defesa dos direitos (de liberdade, de palavra, de imprensa. etc...), aos propósitos sociais dos marxistas (proteção ao trabalho, direitos previdenciários, organização sindical, etc...). Dedicou-se a difícil arte de conciliar a Liberdade com a Igualdade.

Íntimo dos clássicos, seus interlocutores foram Hobbes, Locke, Beccaria, Kant, Hegel, Marx, Weber e Kelsen, a quem ele releu criativamente, tentando extrair-lhes denominadores comuns para sua tese de afirmação plena na democracia como o melhor sistema político a ser alcançado. Por igual foi herdeiro da bela tradição do iluminismo italiano, dos juristas Beccaria e Verri que, no século XVIII, dedicaram-se a lutar pelo fim das torturas e dos suplícios aplicados nos suspeitos e nos condenados em geral.

O pedagogo da esquerda




O alvo de Bobbio foi preferencialmente a esquerda italiana (especialmente o então poderoso PCI de Palmiro Togliatti e Enrico Berlinger e, em seguida, os jovens rebeldes de 1968 que formaram as Brigadas Vermelhas), a quem pedagogicamente tratou de doutrinar, convencendo-os de que a democracia era algo definitivo e não um momento tático preparatório para a revolução comunista do futuro. Avançado era defender os direitos humanos – entendido por ele como “a religião dos cidadãos universais - , que ele assegurava irreversíveis e progressivos.

Apesar de entendê-la falha e insatisfatória, eivada de promessas não realizadas, a democracia era o sistema mais progressista que uma sociedade civilizada podia almejar Louvou-lhe a tolerância, o principio da não-violência, a possibilidade de renovar-se e o seu ideal de fraternidade, herdado da Revolução Francesa de 1789. Chegou-se à democracia, insistiu ele, porque o passado histórico revelara-se um “imenso matadouro”, dominado por guerras religiosas e por perseguições políticas de toda ordem (O futuro da democracia, 1984).

Como um cidadão europeu escaldado pela violência ideológica que varrera a sua época, marcada por duas guerras mundiais, ele entendeu-a, a democracia, como um oásis de paz capaz de dar água a todos os que, de boa vontade, nela fossem saciar-se. Ao fim da vida, senador vitalício da república italiana, na trilha dos antigos romanos como Cícero e Sêneca, ele por igual deixou suas impressões gerais registradas, publicando De Senectude quando atingira 87 anos. Um comovente testemunho e lição de um dos grandes sábios do século que deixou o mundo no dia 9 de janeiro de 2004.

Roberto Machado - entrevista - A filosofia da tragédia

http://www1. folha.uol. com.br/fsp/ ilustrad/ fq1411200607. htm

São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2006

A filosofia da tragédia

O filósofo Roberto Machado traça as relações entre o teatro grego e o pensamento alemão do século 19 e diz que a academia brasileira, ao adotar o "modelo da USP" de extrema especialização, quase "abdicou de pensar'

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O novo livro do filósofo Roberto Machado, 64, "O Nascimento do Trágico - De Schiller a Nietzsche" (Jorge Zahar Editor, 280 págs., R$ 38), dá o que pensar: sobre a filosofia moderna e sua relação com a tragédia grega, explicitamente, e, indiretamente, sobre a falta de criatividade de boa parte da filosofia brasileira.
O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) afirma que, na modernidade, a tragédia deixa de ser apenas uma das espécies do teatro e passa a ser central para o modo como os filósofos entendem não só os dilemas do homem moderno mas também a própria constituição do mundo, do Ser.
"A questão da oposição, da contradição de princípios é um aspecto essencial dessa concepção ontológica da tragédia, isto é, da concepção de que a tragédia diz alguma coisa que tem a ver com o próprio ser ou com a totalidade dos entes, do que é, do que existe", afirma.
O que ele diz ter "ousado" fazer neste trabalho, ao abarcar um século de pensamento alemão, é tentar ser mais "extenso" que "profundo", marca segundo ele dos próprios filósofos estudados -e limite da filosofia brasileira.
Ele diz que o "modelo da USP" dos anos 60 -de resto em prática na maioria dos programas de pós-graduação em filosofia do país hoje- privilegia a extrema especialização, o que cria dificuldades para que se pense criativamente. "Caímos numa perspectiva de especialistas num período, num autor, e até mesmo num livro."

FOLHA - Por que o trágico é um tema e um problema para os modernos? Por que se ocuparam dele a partir de Kant, mas parece ter sido um problema menor no período anterior, entre Descartes e Kant?
ROBERTO MACHADO
- A posição que defendo em "O Nascimento do Trágico" é que só na modernidade -entendida como o período que começa com Kant- houve uma reflexão sobre o trágico. Para isso, valorizei a diferença entre uma "poética da tragédia" que, inaugurada por Aristóteles, se impôs até o século 18 como um estudo formal, analítico e classificatório da poesia, e uma "filosofia do trágico" que, formulada por pensadores como Schelling, Hegel, Hölderlin, Schopenhauer e Nietzsche, elaborou uma reflexão sobre a essência do trágico a partir do conteúdo da tragédia. Minha preocupação foi mais apresentar o "como" do que o "porquê" dessa transformação. Tentei mostrar que isso se deve muito a Kant. Não que ele tenha sido um pensador do trágico, longe disso, mas sim que, logo após sua terceira "Crítica", onde se encontra a estética, que analisa o belo e o sublime, Schiller, que foi um grande kantiano, retomou a teoria do sublime e, a partir dela, pensou o trágico.

FOLHA - Dá para dizer que o que unifica esses pensadores é que neles há sempre dicotomias, ao mesmo tempo que não é em todos que há dialética?
MACHADO
- Exatamente. A idéia que expus é que o trágico, a partir de Schelling, é sempre pensado ontologicamente. Mas fui além disso, defendendo que a questão da oposição, da contradição de princípios é um aspecto essencial dessa concepção ontológica da tragédia, isto é, da concepção de que a tragédia diz alguma coisa que tem a ver com o próprio ser, com a totalidade do que é, do que existe. Trata-se, portanto, sempre de princípios ontológicos que estão numa atitude antagônica, uma atitude de oposição. Acontece, porém, que esse antagonismo pode levar a uma harmonia, a um reconhecimento, a uma reconciliação, como é o caso em Schelling, Hegel e no primeiro Hölderlin, mas também pode levar a uma afirmação da dualidade ou da oposição, sem reconciliação dialética.

FOLHA - Pode-se dizer que o pensamento sobre o trágico é fundamental para todos esses filósofos, ou ele está em Hegel, por exemplo, mas não de maneira central?
MACHADO
- É possível detectar duas posições a esse respeito. Em Schiller e Hölderlin, por exemplo, que são mais poetas e dramaturgos do que filósofos, há uma visão do trágico que faz parte da própria visão de mundo que eles têm. Já em Hegel, o trágico é um momento de um processo histórico que vai além do trágico. Ele situou a visão trágica numa perspectiva histórica. Isso começa a mudar com Schopenhauer, pois a respeito dele é possível falar já de uma visão de mundo trágica.
Essa relação entre trágico e tragédia vai explodir completamente em Nietzsche, quando ele elabora uma visão do trágico independente do teatro e da tragédia. Por isso, considero Nietzsche o ápice de todo esse processo de formação de uma visão trágica do mundo. No último período de sua filosofia, ele dirá: "Sou o primeiro filósofo trágico; os próprios gregos ainda foram moralistas". Isso significa um deslocamento da temática do trágico do campo da arte para a própria filosofia como uma forma de pensamento que elabora uma visão trágica do mundo.
Enquanto Schiller criou o trágico como um conflito entre os instintos e a liberdade, conflito que acarreta a afirmação da liberdade moral, apesar das condições mais adversas em que o ser humano se encontre, como em sua peça "Maria Stuart", Nietzsche usa a visão trágica do mundo como alternativa ética. O trágico, para ele, se torna uma afirmação integral da vida para além das oposições morais de bem e mal.

Shopenhauer

Dentro da filosofia universal ocupa Arthur Schopenhauer uma posição singular, e completamente original. É o primeiro entre os filósofos de destaque, em tôda a história da filosofia, a proclamar sistematicamente que o amago do mundo é irracional, fundamentalmente oposto à inteligência e à razão.

Tal concepção representa uma verdadeira revolução na história da filosofia. A fé na razão é da própria essência de toda empresa filosófica e a essa fé na nossa inteligência corresponde, dentro da tradição filosófica, a firme convicção de que as nossas faculdades racionais nada são senão a manifestação, embora apagada, de uma inteligência universal que impregna todas as coisas e as dirige para determinados fins, segundo um plano inteligente. Precisamente por isso, por ser a nossa razão humana apenas um reflexo de uma razão suprema, dominadora do mundo, precisamente por isso temos a capacidade de filosofar, de conhecer, de saber e apreender a verdade, a essência das coisas. Pois as leis do universo são as da nossa própria inteligência. À nossa pesquisa incansável, embrenhada nos meandros misteriosos do ser, revela-se, milagrosamente, como num espelho, a nossa própria imagcm. Somos um microcosmo que repete, em escala miuda, o macrocosmo. Como o nosso olho, no dizer dos filósofos e de Goethe, é da qualidade do sol e por isso divisa a luz do sol, assim também a nossa razão é da qualidade da razão universal e por isso lhe apreende as leis e manifestações. Por mais que nós nos percamos no aparente caos dos fenômenos e na gigantesca amplitude dos espaços astronomicos, no fim encontramo-nos, deslumbrados, diante de nós mesmos. E toda essa concepção, que considera o homem um ser racional capaz de conhecer o ser racional do mundo, é, consciente ou inconscientemente, a base da maioria dos grandes filósofos, de Platão a Thomas de Aquino, de Descartes a Leibniz, Spinoza, Kant e Hegel, embora o criticismo de Kant já tenha começado a abalar essa segurança "dogmatica".

Schopenhauer rompe radicalmente com essa tradição. Estabeleceu como princípio metafísico um poder maldoso, boçal e cego, completamente irracional. Foi o primeiro a criar uma filosofia baseado no irracionalismo sistemático, mas não foi o último a fazê-lo. Dele parte toda uma corrente de irracionalismo, manifestando- se, de um lado, no "élan vital" de Bergson, e atingindo virulência, de outro lado, no pensamento de Nietzshe. Esse pensamento, por sua vez enriquecido pela afluente religiosa de Kierkegaard, tomou o nome de existencialismo (quer seja na sua forma religiosa ou ateista).

Como se vê, o impacto dessa concepção foi e é tremendo embora fôsse e seja mais indireto do que direto. Não é necessário falar aqui de fatos óbvios, tais como a "conversão" de Richard Wagner, entusiasta de Schopenhauer, cujo Tristão é, por assim dizer, o sistema do filósofo posto em música (embora a interpretação seja um tanto herética), ou como o pensamento de Níetzsche, cuja idéia fundamental , a vontade de poder, nada é senão a vontade de viver dd Schopenhauer, despida das suas raizes metafísicas; com a diferença de que Nietzsche, "invertendo os valores", não negava, mas afirmava, a vontade, transformando- a no mais alto e mesmo no único valor. Ao passo que na filosofia de Schopenhauer a vontade irracional, longe de ser um valor positivo, é apenas o poder de fato - causa de todos os sofrimentos - que por isso deve ser aniquilada, essa mesma vontade se torna na concepção nietzscheana o mais alto valor, a máxima finalidade, idealizada no "super-homem" .

A teoria de Schopenhauer de que a inteligência humana é essencialmente um instrumento dos interesses pragmáticos da vontade, foi adotada por Nietzsche, Bergson e os pragmatistas americanos, tais como W. James, Dewey e outros. A concepção estética do filósofo de Frankfurt empolgou gerações de autores e artistas e o conceito particular do gênio, como foi concebido por ele, encontrou ainda recentemente expressão num romance de Thomas Mann (Dr. Fausto), o autor dos Buddenbrooks, obra em que O Mundo como Vontade e Representação desempenha um papel decisivo. A hipótese de que existem relações entre o gênio e a loucura, conquanto explicação sistemática e Lombroso hauriu essa concepção na obra do filósofo alemão, colocando-o, respeitosamente, entre os gênios suspeitos de loucura.

A Metafísica do Amor Sexual (...) [obra que este ensaio de Rosenfeld introduz] é uma peça central do sistema schopenhauriano, cheia de intuições geniais, cuja repercussão no pensamento ocidental dificilmente pode ser exagerada. A vontade, que é a essência do mundo, tem o seu foco no impulso sexual: é pela primeira vez na história da filosofia, excetuando-se Platão, que o sexo atinge dignidade metafísica. Freud sempre negou ter lido Schopenhauer, mas a influência indireta, através de múltiplos canais subterrâneos, é tão evidente que não é preciso insistir nisso. É a obra de Schopenhauer, que pela primeira a vez focalizou sistematicamente a atenção nos fenômenos sexuais, inspirando com isso um exército de pensadores e autores, de Freud a Weininger, de Forel a D. H. Lawrence. (...) Toda a teoria freudiana de que o impulso sexual é a raiz inconsciente do nosso comportamento - representando o consciente uma crosta superficial - é de origem achopenhaueriana. A suposição freudiana da preponderância do irracional e inconsciente sobre o racional e consciente - base da metafísica de Schopenhauer - tornou-se, desde então, um lugar comum e pode-se dizer que o nosso tempo, no seu pessimismo quanto à capacidade do "homo sapiens" de guiar-se pelo intelecto e pela razão é tributário direto ou indireto da concepção de Schopenhauer, e o comportamento atual da humanidade parece ser um único, gigantesco esforço destinado a provar a metafísica do grande pessimista. A teoria da racionalização" e da "ideologia" - isto é, a elaboração de argumentos e mesmo de sistemas racionais, teorias filosóficas e teologias de acôrdo com os interesses mais ou menos inconscientes de uma classe ou de um indivíduo , teoria tão importante no pensamento de Nietzsche, Freud, no marxismo e na sociologia moderna, está contida na idéia de Schopenhauer de que não desejamos uma coisa por tertmos encontrado razões para desejá-la, mas que inventamos, posteriormente, razões, sistemas e teologias para mascarar, diante de nós mesmos, os nossos desejos profundos e os nossos interesses vitais.

Num pequeno ensaio de Schopenhauer sobre a loucura encontramos toda a teoria freudiana dos erros cotidianos, lapsos e esquecimentos casuais, a teoria da repressão e a teoria da fuga para a doença. É preciso notar, lemos num ensaio, "com quanto desagrado nós nos lembramos de coisas que ferem violentamente os nossos interesses, o nosso orgulho ou os nossos desejos; com quanta dificuldade nós nos decidimos a propor tais coisas ao nosso intelecto para exame exato e sério; com quanta facilidade, ao contrário, nos desviamos de tais fatos, esgueirando- nos deles, ao passo que circunstâncias agradáveis espontâneamente penetram na nossa consciência, tanto assim que, mesmo afastados por nós, insistem em assediar-nos. .. Naquela resistência da vontade de admitir que o adverso se apresente à luz da inteligência, reside o ponto em que a loucura pode irromper no espírito. Todo novo incidente adverso tem de ser assimilado pelo intelecto, isto é, tem de receber um lugar no sistema das verdades que se referem à nossa vontade, aos nossos interesses, e isso ainda que fosse necessário reprimir para tal fim coisas mais satisfatórias [o termo "verdraengen" para "reprimir" foi adotado por Freud] ... Se, todavia, em determinado caso, a resistência da vontade em face da aceitação de dada verdade alcança tal grau que aquela operação (da assimilação) não pode ser levada a efeito: se, portanto, certos incidentes e circunstâncias são sonegadas ao intelecto, porque a vontade não pode suportar-lhe a visão; se então, por causa do necessário nexo, a lacuna ou brecha é preenchida a bel prazer: neste caso estamos diante dum caso de loucura. Pois o intelecto renunciou à sua natureza de agradar a vontade; o homem imagina o que não é... A origem da loucura pode ser considerada, portanto, como um violento 'expulsar para fora da consciência" de qualquer fato, o que só é possível "pela inserção na consciência de qualquer outra idéia que não corresponde à realidade'".

Freud proclama a cura e Schopenhauer a salvação pela inteligência; ambos aceditam no poder da inteligência, na possibilidade da sublimação e libertação do homem através das suas faculdades racionais. A transformação dos fatos inconscientes em dados conscientes, pela análise em Freud, pela reflexão em Schopenhauer, é para aquele o caminho da cura e para este o caminho da salvação.

Arthur Schopenhauer nasceu em 1788, na cidade livre de Dantzig. Kant, cuja obra iria influenciá-lo profundamente, vivia ainda, Hegel, seu futuro "concorrente" na Universidade de Berlim, já era adolescente. Um ano mais tarde estourou a Revolucão Francesa, e uma década depois uma geração de jovens poetas alemães deslumbrará o mundo com a poesia romântica, cuja essência iria impregnar a obra de Schopenhauer.

A juventude de Schopenhauer não decorreu feliz. O pai, abastado comerciante, irascível e dominador, transfíere-se para Hamburgo, quando Dantzig é anexada à Prússia; não quer viver debaixo de um regime monárquico. Uma doença mental, herdada da mãe, e prejuízos finan-ceiros, levam-no, na idade de 58 anos, ao suicídio.

A mãe, vinte anos mais jovem do que o marido, era, bem ao contrário, uma mulher, muito bem equilibrada. Autora de romances sem grande valor, intelectualmente bem dotada, mas de poucos encantos femininos, muda-se depois da morte do marido para Weimar, deixando o filho em Hamburgo. Na capital espiritual da Alemanha, Frau Schopenhauer recebe duas vezes por semana a fina flor intelectual da sociedade weimarense, entre outras também Goethe, mais tarde magnânimo amigo do jovem Arthur - -na medida em que podia haver amizade entre dois homens tão imensamente convencidos do próprio valor. Wilhelm von Humboldt escreve, observador sagaz, escreve em 1809 sobre a mãe: "Ela me é desagradável pela sua figura e voz e pelo seu comportamento afetado".

Um homem mentalmente desequilibrado e uma mulher pouco materna - eis os pais do filósofo do pessimismo. Contudo, enquanto tem afeição pelo pai, só encontra pa-lavras amargas para Frau Schopenhauer: "A mãe transforma-se após a morte do marido fequentemente em madrasta"-. Ciumento como sempre foi, sente profundo desgosto em face da vida livre da mãe.

O jovem Schopenhauer é uma criança sem pátria e sem verdadeiro lar. Quando tem cinco anos, o pai muda-se para Hamburgo: "Assim perdi em tenra infância o meu direito pátrio. E desde então nunca conheci uma nova pátria". Em compensação tem o privilégio de realizar com o pai longas viagens à França e Inglaterra, ficando durante dois anos na cidade de Havre de Crâce, "onde meu pai me deixou... a fim de que, se possível me trans-formasse em um francês perfeito" ... Aos quinze anos parte de novo com os pais para um cruzeiro pela Holanda (país de origem da família), França, Inglaterra e Suíça. Essa viagem fora lhe prometida pelo pai em troca da promessa de desistir dos estudos universitários para dedicar-se ao comércio. Só alguns anos depois da morte do pai, o futuro filósofo romperia a promessa, incapaz de continuar numa profissão, contra a qual se rebelaram todos os seus instintos. Nas suas cartas à mãe, chora "a terrível perda da minha força adolescente, dispersa em negócios vazios", e sente-se "torturado por uma amargura insuportável do espírito".

Mas as viagens na época napoleônica, através de boa parte da Europa, proporcionaram- lhe experiências que nenhumma universidade lhe poderia ter dado. Entre os grandes filósofos alemães da sua época, é Schopenhauer o único que pertence à grande burguesia e que, muito viajado, demonstra possuir amplos conhecimentos das coisas, do mundo e dos homens, conhecimentos diretos, adquiridos pela própria observação. Isso confere às suas obras um encanto todo especial; elas parecem ser arejadas pelo vento do mundo. Toda linha revela o homem experiente, realista, que naõ acumulou a sua sabença no gabinete de estudos. Seu estilo é de um "homme du monde", elegante, preciso, rico de exemplos de cunho cosmopolita; estilo de um homem que leu os moralistas franceses e frequentou assiduamente os autores latinos e neo-latinos.

Tudo isso é qualquer coisa de inédito na literatura filosófica alemã, sobrecarregada de uma terminologia acadêmica e artificial, exalando, apesar do vôo imensamente audaz, o ar parado do provincialismo alemão.

Aos 18 anos, rompe com a profissão comercial e devota-se em várias cidades a estudos intensos. Já então é um solitário, vivendo à margem da sociedade. Velho deinais para os estudos ginasiais, a que tem de dedicar-se, cosmopolita demais para integrar-se na vida provincial, de temperamento brusco e modos pouco afáveis, extremamente orgulhoso e de mordacidade cruel, não teve amizades duradouras e profundas. As suas relações com os homens se tornam precárias. Já aos quinze anos é censurado pela mãe, por causa da sua no trato com as pessoas, e o colegial de 19 anos é expulso do ginásio de Gotha devido ao seu comportamento arrogante, "És insuportável e é difícil viver contigo", escreve-lhe a mãe.

Em Goettingen e Berlin estuda filosofia, mas em 1813 abandona a capital da Prússia para escapar às perturbações guerreiras. Retira-se para uma pequena cidade, onde "passei o resto do ano numa estalagem que me pareceu, numa época confusa, a residência adequada a um homem completamente sem pátria" e onde se sente satisfeito "por não ver um soldado sequer". Já naquela época começa a elaborar o seu sistema filosófico, obra que conclui em 1818, aos 31 anos, dando-lhe o título de O mundo como vontade e representação.

Nesta grande obra, sistema inteiriço, produzido, por assim dizer, de um só jacto, palpita sob a superficie serena, de grande beleza literária, a experiência dolorosa de um num mundo devastado por guerras, o qual se lhe afigura "o pior dos mundos possíveis", como se exprime rebatendo a afirmação de Leibniz de que esse mundo é "o melhor dos mundos possíveis". Já aos quinze anos revela extrema sensibilidade pelo sofiimento humano. "É terrível", escreve no seu diário, falando do Bagno de Toulon, "é terrível pensar que a vida desses míseros escravos das galeras... é completamente sem alegria... e totalmente sem esperança... Assustei-me ao ouvir que há aqui 6000 homens acorrentados nas galeras. A crueldade das guerras nnapoleônicas parece ter exercido profunda influência sôbre o seu pensamento e sua fantasia. Doravante, o mundo inteiro lhe parece um único grande hospital. E todo o "Weltschmerz" , toda a "dor do mundo" dos românticos vive nesta obra, que encerra em termos filosóficos a trágica experiência de um continente devastado a exausto, cujas mais elevadas esperanças de Revo-lução pareciam ter resultado em fracasso, milhões de homens pareceram, aparentemente sem sentido. Não havia sentido, tudo era caos. Na obra de Schopenhauer surge, pela Primeira vez no nosso tempo, o espectro do nihilismo.

Terminada, a obra, Schopenhauer embarca para a Itália, então o sonho de todos os intelectuais alemães que leram Goethe. O filósofo entra agora na casa dos trinta, já não é um jovem de bigodinho e juba loura. Os cabelos começam a rarear, a testa torna-se ainda mais ampla e o roste, com o nariz socrático, começa a semelhar ao do solitário Beethoven, cujas sinfonias costuma ouvir de olhos fechados. Com o gênio de Viena tem em comum um ouvido um tanto duro (mas nunca ensurdeceu) e como aquele não tem muita sorte com as mulheres. Toda a sua obra é testemunho do seu tremendo ardor sexual, nunca serenado pelo amor constante e profundo de uma esposa que o entendesse. Solteirão inveterado, que não teve nem ao menos o amor materno, odeia e despreza as mu-lheres, mas necessita delas desesperadamente, embora apenas como sexo. "ó volúpia, ó inferno, - ó sentidos, ó amor" - insaciáveis e invencíveis.. .!" lemos num poema que esreveu aos vinte anos.

Em Weimar apaixonou-se pela cantora Karolina Jage-mnn, amante do duque e inimiga de Goethe. "Casaria com esta mulher", confessava então à mãe, "mesmo se a encontrasse colocando pedras nas estradadas".

Durante a sua estada em Dresden (onde escreveu em quatro anos a sua obra principal) esteve ligado a uma mulher; outra amante, esta em Veneza, chama-se Teresa. É naquela cidade que perdeu a ocasião de conhecer Byron, de quem sempre foi um admirador irrestrito. "Possuia uma carta de recomendação a Byron, de Goethe (fato que lhe teria franqueado o acesso ao poeta inglês que, asse-diado como um astro cinematográfico, não costumava receber alheios) ... Sempre quis visitá-lo, com a carta de Goethe, mas certo dia desisti em definitivo. Naquele dia passeava eu com minha amante no Lido, quando minha Dulcinea exclamou: "Ecce il poeta inglese!" Byron passou perto de nós, com o cavalo a pleno galope. Durante o resto do dia a minha dona não esqueceu a impressão que ele lhe fizera. Resolvi, então, não entregar a carta de Goethe. Temia os chifres. Mas como me arrependi depois!

De volta da Itália, Schopenhauer habilitou-se como docente de filosofia na Universidade de Berlim. Mas como timbrava em colocar as suas aulas precisamente nas horas em que Hegel fazia as suas célebres preleções, ficava com a sala às moscas. A audiência mais numerosa que atingiu foi de nove estudantes. Desde então se referiu aos "pro-fessores da filosofia" com um despeito quase mórbido, despeito ainda intensificado pela completa indiferença com que o mundo acadêmico (e o mundo em geral) recebera a sua obra principal. Com efeito, só cerca de trinta anos após a publicação, a sua obra começava a ter repercussão, tornando-o em pouco tempo um dos homens mais famosos da Europa culta, procurado por celebridades de todas as partes do mundo.

A filosofia de Schopenhauer, como se sabe - e como mais adiante será exposto - é coroada por um verdadeiro evangelho do amor, no sentido de piedade e compaixão. Mas nas suas relações pessoais era um homem duro e inflexível. Desde 1826 tinha de pagar a uma costureira uima indenização anual de 60 taler, por tê-la posto violentamente no olho da rua. Quando ela finalmente morre, escreve-lhe no atestado de óbito: "Lá se foi a velha, livre estou da carga". Por ocasião da concordata de uma firma, à qual a família Schopenhauer confiara certa quantia de dinheiro, exige pleno pagamento da sua parte. "É meu sincero desejo que possa prosperar de novo", escreve ao chefe da firma, "e terei imenso prazer se me atingir tal notícia; só quero que a sua felicidade não se estabeleça nas ruínas da minha. Os meus filhos ainda passarão por mim em brilhante viatura, enquanto eu me afastarei ofegante, pelas ruas, um velho, gasto professor... Os meus mais sinceros desejos o acompanham - pressu-posto que não me fique devendo nada... " O resultado foi que Schopenhauer recebeu a soma integral, ao passo que para a mãe e a irmã só restaram 30 por cento.

Depois de uma nova viagem à Itália, o filósofo se estabelece em 1833 definitivamente em Frankfort, onde se tornou habitué da mesa do Englisher Hof. Como companheiro tem um cão chamado Atma ("alma univer-sal", na filosofia bramânica). Pontualmente a uma hora, ao soar a campainha, dirige-se o Dr. Schopenhauer para o almoço, vestindo uma espécie de fraque preto de corte antiquado. A grande calva é marginada, de ambos os lados, de duas asas esvoaçantes de cabelo branco. A barba hanseática que emoldura o contorno da face, sem cobrir -o queixo, é de um ruivo grisalho. A boca desdentada é larga, os lábios delgados parecem curvar-se num esgar atroz. Os olhos azuis surpreendem pelo seu bilho e duas rugas fundas descem do largo nariz para os cantos da boca. Na mesa, o filósofo da ascese come para dois, tanto assim que os donos lhe cobram uma pensão mais elevada do que de costume. A cadeira ao seu lado fica vazia, pois o filó-sofo não gosta de ser perturbado. De noite, acompanhado do cão, passeia pelos jardins, batendo com a bengala contra a terra e murmurando palavras inentendíveis. "O velho cão Schopenhauer está rosnando", costumava dizer Liszt.

Um outono pacífico, sereno. 0 ancião parece aque-cer-se ao sol tardio da glória. Lendo as cartas daquela fase, nota-se a imensa satisfação do solitário homem, ao verificar que aqui e acolá surgem círculos de adeptos, sim, verdadeiros apóstolos que lhe propagam a fama crescente. Em suas cartas registra cada visita de homens ilustres e não ilustres, vaidosamente posa para pintores e daguerreotipistas e analisa a semelhança do retrato, nunca satisfeito. Nesta altura, quase não se lhe acredita mais o pessimismo. Um homem, de nome Richarcl Wagner, manda-lhe o Anel dos Nibelungen e Schopenhauer lhe aconselha a tornar-se poeta ao invés de compositor. Realmente, não falta muito para que Schopenhauer se transforme em otimista ao notar a repentina moda do seu pessimismo. O filósofo, que pregou a negação da vontade de viver, tem uma tremenda vontade de viver. "Eu alcançarei uma idade avançadís-sima" , diz certa vez. "Meu longo sono e bom estômago mo revelam. Gostaria de chegar aos 90 anos. Mesmo aos 80, a morte tem ainda algo de violento".

Onze meses mais tarde morre sem sofrer muito. Contava 72 anos.

Que havia atrás da máscara trágica desse homem? Schopenhauer era um homem de imensa sensibilidade, um gênio dolorosamente exposto ao sofrimento e aos tormentos do desequilíbrio. Toda a sua vida foi uma luta tenaz para atingir um grau suportável de estabilidade psíquica. Andava pesadamente couraçado: couraça cheia de ferrões por fora - não me toquem! e coberta de asbesto por dentro: pois havia fogo nele - a chama de instintos tremendamente violentos e de impulsos insaciáveis.

A sua luta é perfeitamente caracterizada na parábola que dedicou à bem amada cantora Karolina Jagemann, quando ela já se casara com outrem:

"Durante um áspero dia invernal apertam-se os por-cos-espinhos de uma manada uns contra os outros para se proporcionarem mútuo calor. Mas, ao fazê-lo, ferir-se-ão reciprocamente com seus espinhos, de modo que terão de separar-se. De novo obrigados a ajuntar-se, por causa do frio, tornarão a machucar-se e a distanciar-se. Essas al-ternativas de aproximação e afastamento durarão até que lhes seja dado encontrar uma distância média em que am-bos os males ficam mitigados".

No seu sistema filosófico, Schopenhauer parte de um dos princípios fundarnentais de Kant: tudo que sei do mundo é, de início, a minha representação. As coisas só me são conhecidas, eu só as aprendo enquanto se apresentam como dados da minha consciência. Esta flor, aquele pássaro, a sua côr, seu cheiro, som e solidez, nada sei deles senão o que os meus sentidos transmitem àminha consciência. Como as coisas seriam em si, fora da minha consciência, não o posso saber; pois quando uma coisa se me apresenta, aprendo-a já impregnada das peculiaridades que os meus sentidos e a minha consciêcia lhe imprimem. Aquela flor, este pássaro serão "em si", fora da consciência, sonoros, coloridos, duros, macios, cheirosos? Não o sei, diria Kant; os conheço fora da minha consciência. Só os percebo dentro das formas da minha razão que é a condição de todos os conhecimentos. Se o olho humano fosse diverso, diversas se me apresen-tariam as coisas; se usasse óculos azuis, todo o mundo se tornaria azul; se fosse surdo, as coisas se tornariam mudas e eterno silêncio reinaria no mundo.

Isso, em filosofia, é um lugar comum e não é preciso analisar o pensamento especificamente kantiano. Basta ve-rificarmos que de início só conheço o mundo como ele me aparece, como ele se apresenta aos meus sentidos e dentro das formas da minha consciência, com uma palavra, como eu o REPRESENTO: o mundo é minha REPRESENTAÇÃO - com essa afirmação começa a obra de Schopenhauer. O mundo, como ele se apresenta nas formas da minha cons-ciência (formas subjetivas como tempo, espaço e causalidade, isto é, a lei de causa e efeito) é só aparência e Kant chama a isso de "mundo dos fenômenos". As coisas independentes da minha consciência, isto é, não aprendidas nas formas de tempo, espaço, causalidade, formas peculiares à consciência humana, Kant as chama de "coisas em si". Negava que fosse possível saber algo delas.

"O mundo é minha representação" , diria também Schopenhauer. Só o conheço desdobrado na duração do tempo e esparramado na extensão do espaço, tudo se pro-cessando segundo a lei de causa e efeito. Como seriam as coisas na realidade, em si mesmas, independentes da minha consciência e das suas formas e leis? Kant, afirmara não o saber. É neste ponto que Schopenhauer se separa de Kant, tornando-se metafísico. Afirmava sabê-lo. O mun-do, na sua essência, em si, independente da minha cons-ciência, é VONTADE. 0 mundo "em si" é vontade, para nós é representação. Posso sabê-lo, pois não sou só cons-ciência, sou também corpo e coisa entre coisas e corpos. Como todas as coisas, meu corpo é-me dado como coisa qualquer e nesse caso ele nada é senão mais um "fenômeno" exterior, dado pelos sentidos e aprendido nas formas da minha consciência. Além disso, porém, tenho um conhe-cimento imediato do meu corpo, "de dentro", por assim dizer. E visto sob essa perspectiva, a intimidade do meu corpo se me revela como vontade. É esta a palavra que se torna a chave de tudo e que revela o funcionar íntimo do meu próprio ser, das, minhas ações, dos meus movi-mentos. Portanto, meu corpo é-me dado de duas maneiras diversas: uma vez como representação, como objeto entre objetos, submetidos às leis de todos os fenômenos que me aparecem; e depois, ele me é dado de modo totalmente di-verso: como algo imediatamente conhecido que se define por meio do termo "vontade". Na verdade, meu corpo nada é senão vontade que me aparece exteriormente em forma de corpo. O corpo é a objetivação da vontade. Intimamente, porém, pela intuição direta e imediata, sei-o vontade.

Eis a essência da filosofia dq Schopenhauer: Sei-me, intimamente, como um ser que quer, que deseja, que nunca deixa de querer e de desejar. Sei intimamente, que sou vontade. Sei que, o que exteriormente se apresenta como corpo, como objeto entre objetos, intimamente é um eterno querer, ansear, desejar.

Mas a suposição de que tal fato só se refira à minha própria pessoa seria digna de um homem maduro para o hospício. Evidentemente, os homens que me cercam não são só a minha representação subjetiva; eles têm realidade fora da minha consciência e a sua realidade intima é, como a minha, vontade. E isso não só vale dos homens, mas também dos animais, sim, mesmo das plantas. Também a essência deles é vontade, certamente uma vontade menos consciente, mais irracional e não iluminada pela inteli-gência; mas sempre vontade. E por mais que eu desça na escala do ser, sempre encontro, como realidade profunda, velada sob a superfície das aparências, objetivada nas mais diversas manifestações, - a vontade. O homem "reco-nhecerá aquela mesma vontade não só naquelas aparências, que são muito semelhantes à sua própria, isto é, nos ho-mens e anunais; mas a reflexão contínua leva-lo-á a reco-nhecê-la também na força que vibra e vegeta na planta, na força, por meio da qual se forma o cristal, por obra da qual o magneto se dirige para o polo-norte; na foça, cujo choque lhe salta do contacto de metais heterogêneo e que lhe aparece nas afinidades eletivas dos elementos como um fugir-se e atraír-se; e ela lhe aparecerá mesmo na gravidade, que em toda matéria tão poderosamente se ma-nifesta - impelindo a pedra para a terra e a terra para o sol: tudo isso, o homem reconhecerá como diverso só na aparência, intimamente, porém, tudo se lhe afigurará, como a mesma essência, como aquilo que da própria intimidade, lhe é tão bem conhecido e que nas manifestações mais claras e distintas nós costumamos chamar - "vontade".

Segue daí que o mundo é, na sua realidade ínthna, vontade - vontade una e eterna; pois só as suas mani-festações, como elas me aparecem segundo as formas da minha consciência, se desdobram na multiplicidade e di-versidade de tempo e espaço; em si, como coisa em si, fora dessas formas subjetivas, há só uma vontade não con-taminada pela diversidade de tempo e espaço - uma vontade única e intemporal. Eis o Mundo como "Vontade e Representação" - um mundo só, visto de dois lados, uma vez da intimidade real, como ela me é dada na intuição imediata do meu próprio corpo, outra vez da exterioridade fenomenal ou aparente, como ela me é dada segundo as formas subjectivas da minha inteligência.

O mundo é, portanto, na sua essência, vontade. Mas uma vontade irracional, cega e surda, pois a inteligência é só uma manifestação tardia dessa mesma vontade; só no homem a razão desperta, nos animais, ela é confusa. Nas plantas quase inexistente e nas coisas chamadas inani-madas a vontade se externa em toda a sua escuta irracionalidade. No próprio homem, a vontade é aquela mesma força irracional e inconsciente, só coberta por uma crosta delgada de consciência e razão. Razão que, com o um mí-nimo abalo, se rompe, deixando à vista as entranhas fu-megantes do nosso caótico ser o qual, na sua intimidade, é trevas e inconsciência. Tremenda concepção, concepção de um homem que via impor-se a vontade cega, nas guerras napoleônicas, no caos e nas ruinas que elas espalharam sôbre o continente flagelado. Entendemos a máscara trágica desse homem, os lábios finos, os vincos fundos da paisagem vulcânica dessa fisionomia devastada pela desíilusão e pelo despeito... A ele mesmo se revela essa vontade no implacável impulso sexual:

Ó volúpia, ó inferno,

Ó sentidos, ó amor -

Insaciáveis e invencíveis!

O sexo está no centro do mundo: pois a vontade éessencialmente vontade de viver, nada além disso. Ela se -manifesta no mundo animal através do impulso sexual, externamente representado pelos órgãos sexuais; impulso inconsciente de procriação, chamado "amor" pela deli-catesse da inteligência superficialmente superposta; im-pulso de procriação, pois o indivíduo, aparência fugidia, manifestação passageira, nada vale em comparação com a espécie, manifestaçíío eterna e pura da vontade. A vontade, no impulso cego da auto-realizaçã o, expressa-se numa es-cala hierárquica de "idéias platônicas" - entidades eter-nas, espécies, que são a objetivação imediata e intemporal da vontade: cristais, metais, plantas, animais, homens; ou mais de perto: em espécies tais como "cavalo", "macaco" "homem". Só no cimo dessa pirâmide hierárquica de "idéias platônicas", surge, frágil flor, a inteligência, fenômeno superficial, lanterna que a vontade se acende para encontrar o seu caminho na escuridão, mero instrumento e escravo, manipulado "à vontade" pela vontade.

Mas um mundo que, na sua essência, é vontade de viver, é um mundo de sofrimento e dores. Pois essa vontade cega não encontra, fora de si, nada que fôsse último fim onde pudesse descansar. O próprio ser da vontade é um querer incessante e eterno, um ansear que nunca pode ser Satisfeito, pois a satisfação seria a própria contradição lógica da vontade. É uma vontade insaciável, sem meta, sem sentido, que revira surdamente as entranhas do universo, multiplicada e fragmentada, em tempo e espaço, na fome e sede de milhões de intestinos, estômagos e dentes e no desejo violento de milhões de órgãos sexuais ávidos de volúpia e de procriação.

Todo desejo é sofrimento, pois é a expressão de algo que nos falta e de que necessitamos com urgência. E enquanto o desejo é infinito e eterno, a satisfação é limi-tada e breve - semelhante "a uma esmola dada a um mendigo, suficiente para para mantê-lo vivo hoje a fim de que a sua miséria ge prolongue no dia seguinte..." Do desejo satisfeito já nasce um novo desejo e alcançamos uma vez um estado de saciedade, surge o tédio, tortura igual à do desejo. Assim a vida é como um pêndulo que oscila entre o sofrimento e o tédio, e a nossa existência é "um negócio que não cobre as despesas..." Páginas e páginas Schopenhauer enche com a descrição de todas as torturas, desgraças e desesperos que avassalam a espécie humana, mais sofredora do que todas as outras, por ser mais cons. ciente e Éwnsível; pois quanto maior a sensibilidade, tanto maior o sofrimento.

Todavia, em meio do redemoinho das desgraças surge, sobrenadando, a inteligência humana, fragil instrumento criado pela própria vontade. Mas esse instrumento possui potências inesperadas. Schopenhauer, o metafísico do irracional, que proclama a realidade absoluta da vontade cega, boçal, prega, como coroamento da sua obra, o poder, da inteligência: uma vez surgida e desenvolvida ela pode tornar-se autônoma e independente, amotinando-se contra a sua servitude sob o chicote da vontade. Verificando, na reflexão, a tragédia causada pela vontade de viver, o homem é capaz de revoltar-se, negando a vontade de viver. Não pelo suicídio, porém, "pois a negação (da vontade) tem a sua essência no fato de que não se detestam os sofrimentos, mas os prazeres da vida. O suicida quer a vida, somente é insatisfeito com as condições em que ela se lhe apresenta. Por isso não renuncia, de modo algum, à vontade de viver, mas apenas à vida, aniquilando apenas o fenômeno individual.. ."

O sistema de Schopenhauer termina com um evangelho de salvação, salvação pela inteligência, que se manifesta em mais alto grau no gênio e no santo. O gênio, arran-cando- se duma existência conspurcada pelos interesses da vontade, entrega-se à profunda contemplação das idéias platônicas, cuja visão intuitiva reproduz na obra de arte. Nesta contemplação - de que também participa o apre-ciador da obra de arte - predomina a razão decididamente sôbre os interesses vitais e o homem é, por um momento ao menos, livre do infinito fluxo e do constante turbilhonar da vontade, como se tivesse desembarcado numa ilha remota de paz e beatitude. E essa felicidade de quem já não é escravo dos interesses vitais compensa o gênio pela sua mortal solidão "em meio de uma diferente raça de homens" a que nunca é capaz de adaptar-se.

É o santo, porém, no qual a negação da vontade atinge o mais alto grau. É ele que, penetrando no âmago do mis-tério, compreende que a existência individual é mero fenô-meno e aparência, nada senão o véu de Maia, que cobre os olhos de quem vive entregue aos interesses cotidianos e raciocina segundo as formas subjetivas de tempo, espaço e causalidade. 0 santo compreende que, na essência, ele idêntico a todos os homens (e mesmo aos animais), pois é a mesma vontade que se manifesta em todos. E compreen-dendo que a multiplicidade dos indivíduos é mera aparência, já não afirmará egoisticamente a vontade de viver, mas sentirá, com profunda compaixão, o sofrimento de todos os irmãos, idêntico ao seu próprio sofrimento. E a compaixão, essa participação sofredora, que intensifica a própria dor além de todos os limites, levará o santo à ascese e à completa negação da vontade de viver.

Cessa a procriação. Se a negação da vontade se tornar predominante - e tal acontecimento dependeria de um milagre - neste caso, eliminada a vontade, desaparecerá também o mundo dos fenômenos que nada é senão uma manifestação daquela. "Não havendo vontade, não há representação, nem mundo". Não resta nada; ou resta só o Nada - o Nirvana.

Filosofia - Legado do Inconformismo Simone de Beauvoir

Vida & Arte

ENTREVISTA

Legado do inconformismo

Em entrevista ao O POVO por e-mail, a pesquisadora Deise Quintiliano Pereira fala sobre a importância dos escritos de Simone de Beauvoir para a história do pensamento do século XX.

19/01/2008 16:27


A pesquisadora Deise Quintiliano Pereira é também professora de literatura francesa no Rio de Janeiro(Foto: Divulgação) Nas práticas sociais, a liberdade era a principal bandeira defendida por Simone de Beauvoir. Com base no existencialismo como corrente filosófica que defendia, a filósofa e ensaísta francesa mantinha postura de vigilância crítica em relação à sociedade, ao lado de outros intelectuais, amigos e amantes que manteve ao longo de sua vida. "Talvez hoje, distanciados no tempo, ainda tenhamos alguma dificuldade em compreender o xeque-mate radical que o inconformismo de Simone impôs aos valores burgueses que ela própria encarnava", pontua a pesquisadora Deise Quintiliano Pereira, em entrevista por e-mail ao O POVO.

Doutora em Letras Neolatinas pela Ecole dês Hautes em Sciences Sociales, na França, Deise Quintiliano é professora de Literatura Francesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde desenvolve pesquisas sobre a obra de Jean-Paul Sartre e de Simone de Beauvoir. Ela argumenta que Sartre respeitava profundamente o papel que Beauvoir exercia na sua vida intelectual. "Ela era a leitora mais atenta, o juiz mais rigoroso, o censor mais mortífero que ele tinha pela frente e era isso que incitava essa relação e a circunscrevia, a todos os níveis, no campo da reciprocidade, mais do que no da competição". (Camila Vieira)


O POVO - Agora que comemoramos o centenário de Simone de Beauvoir, qual o legado que o pensamento dela nos deixou e que ainda é pertinente para o mundo contemporâneo?
Deise Quintiliano Pereira - Creio que entre tantas mensagens que perpassam sua obra, o investimento na liberdade seja, sem dúvida, a pedra de toque que caracteriza o pensamento beauvoiriano e que nos deixa um riquíssimo legado nas práticas sociais e nas relações de trocas humanas: a invenção de novas formas de constituição da família, a noção do "casal contratual", a revisão generosa de uma orientação moral e social, em suma, a total impossibilidade de legitimar qualquer tipo, feição ou caráter de opressão.



OP - Tanto na ficção quanto na filosofia, os escritos de Simone de Beauvoir trazem preocupações do existencialismo, como a ética e a liberdade. Dentro desta corrente filosófica, como o pensamento dela se diferenciava?
Deise - A base do existencialismo funda-se justamente no conceito de liberdade. Nesse sentido, não há parâmetros rígidos, regras preestabelecidas ou categóricas a serem seguidas. O homem (e logicamente também a mulher) é livre... é pura liberdade. Como Sartre afirma em O Existencialismo é um Humanismo: "o existencialismo é uma doutrina que torna a vida possível e que declara, além disso, que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana". As linhas de fuga que podem ser atribuídas ao pensamento beauvoiriano - sobretudo as que dizem respeito às suas reflexões sobre questões específicas de uma lógica do feminino e da condição da mulher na sociedade - não a afastam, assim, no meu entender, desses pressupostos fundamentais que norteiam o movimento, menos ainda sua postura de eterna vigilância crítica para com a sociedade, os intelectuais, os amigos, os inimigos e os amantes que a circundavam.

OP - Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir viveram relacionamento pouco convencional que durou 50 anos. Como o pensamento de Beauvoir dialogava com o de Sartre? Na maioria das vezes, eles concordavam ou discordavam? Havia competição entre os dois?
Deise - Não obstante o que os detratores da obra de ambos afirmem, Sartre respeitava profundamente o papel que Simone exercia na sua vida intelectual. Ela era a leitora mais atenta, o juiz mais rigoroso, (carinhosamente denominado "meu doce juiz"), o censor mais mortífero que ele tinha pela frente e era isso que incitava essa relação e a circunscrevia, a todos os níveis, no campo da reciprocidade, mais do que no da competição. A opinião dela tinha a força de um veredicto, conforme ele afirma nos Diários de uma guerra esquisita. Ao longo de tantos anos, em se tratando de duas inteligências tão raras, é evidente que houve muita concordância e muita discordância, o que não impedia Sartre de reconhecer nela a figura do único interlocutor que realmente contatava, a ponto de refazer toda uma reflexão diante da não aquiescência ou de um simples torcer de nariz dela...

OP - Sartre e Beauvoir bancaram o "amor sublime" entre homem e mulher, com direito a cada um manter casos extraconjugais. Sartre não tinha interesse em dominar Simone. Sua liberdade o interessava, assim como seu talento e sua produção escrita. Nunca moraram na mesma casa. No entanto, a própria Simone de Beauvoir chegou a escrever que sentia falta de Sartre, quando ambos ficavam longe um do outro. Para ela, que lutou pela independência e tentou construir uma relação de igualdade com Sartre, tal relação de dependência não parece contraditória?
Deise - Absolutamente. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que vejo com muito bons olhos as contradições, os paradoxos, as aporias que caracterizam obras, pessoas, personagens. Considero que a riqueza maior do pensamento humano insira-se nas brechas abertas pelo conflito, pelas contradições, pelas mudanças inesperadas, pelas releituras, em suma, por tudo o que permita ao homem e à mulher reinventarem-se a cada dia. Contudo, no que diz respeito à relação Beauvoir-Sartre, cabe lembrar que dentre tantas inovações, eles também conseguiram estabelecer a distinção entre amor necessário e amor contingente. A falta que Simone sentia de Sartre inscreve-se, sem dúvida, nessa necessidade que era, aliás, recíproca.



OP - Como você interpreta o desenvolvimento do movimento feminista, após a publicação do livro O Segundo Sexo, em termos da própria trajetória de Beauvoir como intelectual?
Deise - O Segundo Sexo é o diamante mais lapidado do pensamento beauvoirianoo texto fundador que conglomera, pela primeira vez na história, reflexões esparsas de célebres, lúcidas e destemidas predecessoras, como Virginia Woolf ou Mary Woolestonecraft, que ousaram se afastar dos caminhos regrados pela tradição, inventando o feminismo europeu antes mesmo que o termo fosse criado. Há quase 50 anos reivindicado como o livro do movimento feminista, O Segundo Sexo visava responder a pergunta "o que é uma mulher?", reescrevendo a história das mulheres à luz da biologia e da sociologia, sem abdicar de sua ancoragem concreta na filosofia. Desprovida de qualquer sentimento de acerto de contas ou de revanchismo, Simone vislumbra com essa publicação colocar abaixo estereótipos, lugares comuns, preconceitos, tabus e afirmações peremptórias sustentadas durante milênios por grandes pensadores e significativa parte da intelligentsia, empedernindo a mulher num destino cristalizado e predeterminado. Aos 37 anos, ela já havia publicado A Convidada, Pyrrhus e Cinéas e escrito a peça As Bocas Inúteis, porém continuava sendo reconhecida como "a companheira de Sartre" e observaria, mais tarde, que jamais alguém tinha imaginado considerar Sartre como "o companheiro de Simone de Beauvoir". Talvez, o advento de O Segundo Sexo tenha tornado, para muitos e muitas, essa aspiração possível.

OP - Se Beauvoir ainda estivesse viva, como a senhora acredita que ela enfrentaria alguns desafios atuais?
Deise - Sem nenhuma serenidade... Sem qualquer cerimônia ou burocracia... Com o mesmo rigor com que enfrentou os problemas de sua época e com o vigor de quem abraça apaixonadamente uma causa. De maneira inexpugnável, livre, clara e contundente. Com respeito ao indivíduo e às causas da liberdade de si e do outro. Com a força de suas convicções e a ousadia de seu pensamento. Apostando no individual em detrimento do "global", na liberdade em contraposição à opressão, defendendo a paz e se opondo aos interesses tentaculares que subjazem às guerras. Como sempre: com lucidez, coragem, coerência e altivez. Com certeza, não subiria no palanque de Nicolas Sarkozy

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Sociologia

O Paradoxo do nosso tempo ( George Carlin)

“O paradoxo do nosso momento na História é termos prédios mais altos, mas paciência curta; rodovias mais largas, mas pontos de vista mais estreitos.

Nós gastamos mais, mas possuímos menos; compramos mais, mas aproveitamos menos.

Nós temos casas maiores e famílias menores, mais conveniência e menos tempo; nós temos mais diplomas, mas menos razão; mais conhecimento, mas menos juízo; mais especialistas e ainda mais problemas, mais medicina, mas menos bem-estar.

Nós bebemos demais, fumamos demais, gastamos sem critério, dirigimos rápido demais, ficamos acordados até muito tarde, acordamos muito cansados, lemos muito pouco, assistimos TV demais, e rezamos raramente. Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores.

Nós falamos demais, amamos raramente, odiamos freqüentemente.

Aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à nossa vida e não vida aos nossos anos.

Fomos e voltamos `a Lua, mas temos dificuldade em cruzar a rua e encontrar um novo vizinho. Conquistamos o espaço, mas não o nosso próprio. Fizemos coisas maiores, mas não melhores.

Limpamos o ar, mas poluímos a alma; dominamos o átomo, mas não nosso preconceito; escrevemos mais, mas aprendemos menos; planejamos mais, mas realizamos menos.

Aprendemos a nos apressar, e não a esperar.

Nós construímos mais computadores para armazenar mais informação, produzir mais cópias do que nunca, mas nos comunicamos menos. Estamos na era do ‘fast-food’ e da digestão lenta; do homem grande de caráter pequeno; lucros acentuados e relações vazias.

Essa é a era do dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados. Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, das rapidinhas, dos copos obesos e das pílulas que fazem tudo, de animar a acalmar, matar.

Um momento de muita coisa na vitrine e muito pouco na dispensa.

Lembre-se de passar tempo com as pessoas que ama, pois elas não estarão aqui para sempre.

Lembre-se de dizer uma palavra gentil a alguém que te admira com fascinação, pois essa pequena pessoa logo irá crescer e abandonar sua companhia.

Lembre-se de dar um abraço carinhoso a quem está do seu lado, pois esse é o único tesouro que você pode dar com seu coração, e não custa um centavo sequer.

Lembre-se de dizer ‘eu te amo’ a sua companheira (o) e às pessoas que ama, mas em primeiro lugar, ame. Um beijo e um abraço curam a dor quando vem de lá de dentro.

Lembre-se de segurar a mão e enaltecer o momento, sabendo que um dia aquela pessoa não estará mais aqui.

Conceda-se tempo para amar, conceda-se tempo para falar, conceda-se tempo para compartilhar os seus preciosos momentos.

O segredo da vida não é ter tudo que você quer, mas querer tudo que você tem!”

Carpe Diem!!!!

Pedidos 3ºano - Julio

Dúvidas Julio Cesar – 3ano

Pindorama – período ao qual antecedeu Pedro Álvares Cabral, conhecido também como período pré cabralina - em tupi-guarani pindó-rama ou pindó-retama; "terra/lugar/região das palmeiras. Foi o nome que o Brasil tinha dado pelos índios.

Em: http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendapindorama1.htm - lerá um poema sobre as palmeiras do Brasil.

A palavra “Pindorama” significa Terra das Palmeiras, não só pelo fato de no Brasil ter variedades infinitas de palmeiras – babaçu, carnaúba, coqueiro, palmito etc – mas principalmente pela visão indígena que a Terra-Mãe é sustentada por quatro palmeiras, que possibilitam as quatro respirações das quatro raças que se transformarão na virada dos tempos em uma quinta – o povo dourado, expressão da superação de raças e da premência dos valores culturais.

Pindorama também é um nome antropológico que se dá ao estudo dos valores e culturas indígenas.

Governo de Maurício de Nassau

Para consolidar sua conquista, a Companhia nomeou como governador o conde João Maurício de Nassau, que atuou nos domínios holandeses de 1637 até 1644. Nassau logo percebeu que, para pacificar a região e melhor poder administrá-la, teria que estabelecer boas relações com seus moradores mais ilustres, os senhores de engenho. Para tal, proibiu a agiotagem praticada por agentes holandeses e conseguiu auxílio financeiro, na forma de crédito, para que reconstruíssem seus engenhos, destruídos nos cinco anos de combate. Diminuiu os tributos e ainda conseguiu a encampação das dívidas de alguns senhores, sustando, também, a penhora de seus bens. Além disso deu maior liberdade na venda de açúcar, cuja produção vinha se normalizando, e garantiu a liberdade religiosa aos cristãos. Esta medida gerou insatisfação entre os calvinistas (protestantes) holandeses.

Nassau também se preocupou com o embelezamento e a modernização de Recife, pavimentando ruas, drenando pântanos, construindo pontes e canais sobre os rios Capiberibe e Beberibe, transformando o pequeno vilarejo em moderno centro urbano. Trouxe também para Recife várias missões artísticas e científicas, procurando criar um ambiente cultural semelhante ao que se desfrutava na Europa.

Guerra contra Oribe e Rosas

A Guerra contra Oribe e Rosas aconteceu em 1851, foi um conflito envolvendo os países da bacia do rio Paraná. A origem de tudo foi quando o presidente argentino Juan Manuel de Rosas, uniu-se ao então ministro da guerra do Uruguai, Manuel Oribe, na tentativa de constituir um país único.

Isso era definitivamente ruim para os interesses da Inglaterra, França e do Império brasileiro, que combateram o plano de Oribes e Rosas. O presidente do Uruguai, Fructuoso Rivera e os unitaristas argentinos também eram contra a tentativa.

Durante a guerra, o governo brasileiro usou a posição estratégica do rio Paraná para combater as forças argentinas. Após algumas tentativas, uma força composta por tropas brasileiras sob o comando de Luís Alves de Lima e Silva, argentinas sob o comando de Justo José de Urquiza, e uruguaias sob o de Fructuoso Rivera, invadiram o território das Províncias Unidas do Rio da Prata (1852), em Buenos Aires, Rosas foi definitivamente derrotado, preso e levado para Londres em uma embarcação do governo inglês.

Guerra do Contestado

Movimento político e ideológico de inspiração fascista ocorrido no Brasil na década de 30. Busca um Estado autoritário e nacionalista; uma sociedade baseada em hierarquia, ordem e disciplina social; e o reconhecimento da suprema autoridade política e jurídica do chefe da nação sobre indivíduos, classes e instituições. Alguns de seus ideólogos, como Gustavo Barroso, dão ao integralismo um fundo racista, defendendo a superioridade da população branca brasileira sobre negros, mestiços e, especialmente, judeus.
Já nos anos 20 o pensamento nacionalista brasileiro desenvolvia uma vertente conservadora. Entre seus entusiastas estão intelectuais de variadas formações e tendências, como o sociólogo Oliveira Viana, o jornalista, professor e político Plínio Salgado e o pensador católico Jackson de Figueiredo. Mesmo sem atuar como grupo, eles têm em comum posições políticas nacionalistas, antiimperialistas e anticomunistas, criticam a democracia liberal e defendem os regimes fascistas, que começam a despontar na Europa.
Ação Integralista Brasileira– Em 1932, Plínio Salgado e Gustavo Barroso fundam em São Paulo a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração nazi-fascista. Seu programa mistura idéias nacionalistas e a defesa da autoridade do Estado diante da "anarquia liberal" com o lema "Deus, pátria e família". Os militantes vestem camisas verdes e saúdam-se com gritos de Anauê! – interjeição que em tupi quer dizer "ave" ou "salve". A AIB recebe a simpatia imediata de importantes setores conservadores empresariais, militares, religiosos e até sindicais e logo se transforma em partido político. Em menos de quatro anos, a organização reúne mais de 300 mil adeptos, expande a militância por todo o país e entra em choques freqüentes com grupos democráticos. Em 1935 aprova a repressão à Intentona Comunista. Plínio Salgado lança-se candidato à Presidência da República nas eleições previstas para 1938. Elas, porém, não se realizam.

Com o golpe que instala o Estado Novo, os partidos são extintos e o espaço político do integralismo é reduzido. Desiludidos com Getúlio Vargas, os integralistas promovem o assalto ao palácio presidencial no Rio de Janeiro e pensam contar com a proteção do Exército para tomar o poder. Mas o presidente obtém o apoio da cúpula militar, e o golpe fracassa. Os integralistas são perseguidos e seus líderes, presos. Plínio Salgado é exilado em Portugal, e o movimento desarticula-se.

Tenentismo – 18 do forte – coluna Prestes

Porta-voz de idéias democráticas e liberais na década de 1920, em dez anos o movimento revolucionário dos "tenentes" desenvolveu um projeto social explicitamente contrário à democracia liberal repudiada sob a alegação de constituir um modelo estrangeiro e passou a propor a instalação de um estado forte e centralizado que, apoiado numa estrutura social corporativista, seria capaz de determinar objetivamente as "verdadeiras" necessidades nacionais. Com esse caráter, foi uma das forças motrizes da revolução de 1930.


O Tenentismo foi um movimento liderado por oficiais de baixa patente, descontentes com o presidente Artur Bernades e com a velha e tradicional política da República das Oligarquias. Foram movimentos tenentistas: Os 18 do Forte de Copacabana, 1922; A Revolta de São Paulo, 1924 e a Coluna Prestes, 1225 – 1927. O tenetismo teve como liderança de grande destaque a figura de Luiz Carlos Prestes, que ficou conhecido nacionalmente como o Cavaleiro da Esperança.


Tenentismo foi o movimento político-militar revolucionário que tomou corpo no Brasil a partir de 1922, sob a forma de uma série de levantes em todo o território nacional. Basicamente integrado por oficiais de baixa patente -- entre os quais Luís Carlos Prestes, Juarez Távora, Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Juraci Magalhães, Cordeiro de Farias, Ernesto Geisel e Artur da Costa e Silva, o tenentismo contou posteriormente com a adesão de civis, como Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco. O elitismo militar levou os tenentes, na década de 1930, a adotarem uma atitude paternalista e autoritária quanto às decisões que afetassem a vida da população, que não estaria capacitada a participar da revolução ou escolher seus representantes antes de ser submetida a um processo educativo.

Desinteressados do grande apoio popular que receberam durante uma década e em conflito com os outros grupos que fizeram a revolução, os tenentes viram-se isolados e afastados do poder em poucos anos. A partir de 1932, o movimento foi enfraquecido pela reorganização pós-revolucionária do estado, exigida pelas próprias oligarquias agrícolas em nova correlação de forças, pela retomada da hierarquia interna do Exército e pelas cisões ideológicas entre os próprios tenentes. Seus integrantes filiaram-se, de forma dispersa, a organizações as mais diversas, como o integralismo, a Aliança Nacional Libertadora, o Partido Comunista Brasileiro, os partidos socialistas e os movimentos católicos, o que denota inequivocamente a incoerência ideológica do grupo.

Antecedentes

A estrutura política da República Velha no Brasil não permitia a existência efetiva de uma oposição e tornava inócuo o processo de substituição dos governantes que durante várias décadas haviam representado as oligarquias agrícolas de São Paulo e Minas Gerais e se revezavam no poder, num processo conhecido como a "política do café-com-leite". O proletariado urbano recente, disperso, pouco numeroso e inconsciente de seu papel era a contrapartida das populações rurais, espelho do atraso social em todos os aspectos. Nesse contexto, os jovens oficiais das forças armadas, organizados corporativamente na instituição militar, representavam uma possibilidade ímpar de expressão do inconformismo político. O tenentismo expressou também a revolta contra as duras condições de vida a que eram submetidos os tenentes, que constituíam mais de sessenta por cento dos oficiais do Exército, enquanto a cúpula de marechais e generais usufruía de privilégios concedidos pelas elites dominantes, que assim controlavam a ação do Exército como um todo.

Primeiros levantes

Na República Velha, as disputas entre as oligarquias constituíam a maior ameaça à estabilidade do sistema. Contra o grupo hegemônico dos mineiros e paulistas então representado pelo governo de Epitácio Pessoa, um civilista, e por seu candidato, Artur Bernardes uniram-se as elites dos outros estados na Reação Republicana, que lançou a candidatura de Nilo Peçanha, apoiada pelos militares. A tensão aumentou com a publicação das "cartas falsas", atribuídas a Bernardes, que insultavam o Exército. A derrota eleitoral do candidato oposicionista motivou uma conspiração militar para impedir a posse de Bernardes.

Ocorreram levantes isolados, entre os quais o do forte de Copacabana, que terminou com o episódio conhecido como o dos "Dezoito do Forte", em 5 de julho de 1922. Outras rebeliões militares se seguiram em 1924, sobretudo em São Paulo e no Rio Grande do Sul. A evolução do movimento trouxe propostas políticas mais concretas ao conjunto da sociedade e passaram a segundo plano as reivindicações corporativistas. A partir desse momento, o tenentismo conquistou a simpatia popular nas cidades, embora não tenha ocorrido nenhuma mobilização de massas, nem mesmo tentativas de articulação com as dissidências oligárquicas.

Coluna Prestes

Encurraladas pelas tropas legais, as tropas revolucionárias retiraram-se das cidades sem se dispersar e, em meados de 1924, tornaram-se guerrilheiras. Unidas na coluna Prestes, as forças rebeldes incitaram a revolução armada em todo o território nacional. Assim, marcharam cerca de 24.000km e atravessaram 11 estados, mas todos os levantes por elas incentivados fracassaram. Em 1926, ao fim do mandato de Artur Bernardes, a quem pretendia depor, a coluna se dispersou e o comando revolucionário exilou-se em países da América do Sul.

O elitismo militar dos tenentes fez com que perdessem a oportunidade de liderar uma organização política de grande penetração na sociedade civil. As oligarquias agrícolas da oposição organizavam-se, enquanto isso, em partidos políticos, que se tornaram também canais de expressão para a população urbana insatisfeita. O Partido Democrático (PD) e o Partido Libertador (PL), que haviam alcançado representatividade social, iniciaram contatos com os tenentes exilados para a articulação de um novo movimento revolucionário. As alianças estabeleciam-se sobre bases precárias, pois enquanto os tenentes mantinham-se fiéis à idéia de uma revolução armada e golpista, as elites procuravam o caminho eleitoral. Em 1928, Prestes, o líder dos tenentes, rompeu explicitamente com os partidos políticos das elites e aceitou uma aproximação com o Partido Comunista do Brasil (PCB), quando tomou contato com o marxismo.

Integralismo

Movimento político e ideológico de inspiração fascista ocorrido no Brasil na década de 30. Busca um Estado autoritário e nacionalista; uma sociedade baseada em hierarquia, ordem e disciplina social; e o reconhecimento da suprema autoridade política e jurídica do chefe da nação sobre indivíduos, classes e instituições. Alguns de seus ideólogos, como Gustavo Barroso, dão ao integralismo um fundo racista, defendendo a superioridade da população branca brasileira sobre negros, mestiços e, especialmente, judeus.
Já nos anos 20 o pensamento nacionalista brasileiro desenvolvia uma vertente conservadora. Entre seus entusiastas estão intelectuais de variadas formações e tendências, como o sociólogo Oliveira Viana, o jornalista, professor e político Plínio Salgado e o pensador católico Jackson de Figueiredo. Mesmo sem atuar como grupo, eles têm em comum posições políticas nacionalistas, antiimperialistas e anticomunistas, criticam a democracia liberal e defendem os regimes fascistas, que começam a despontar na Europa.
Ação Integralista Brasileira– Em 1932, Plínio Salgado e Gustavo Barroso fundam em São Paulo a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração nazi-fascista. Seu programa mistura idéias nacionalistas e a defesa da autoridade do Estado diante da "anarquia liberal" com o lema "Deus, pátria e família". Os militantes vestem camisas verdes e saúdam-se com gritos de Anauê! – interjeição que em tupi quer dizer "ave" ou "salve". A AIB recebe a simpatia imediata de importantes setores conservadores empresariais, militares, religiosos e até sindicais e logo se transforma em partido político. Em menos de quatro anos, a organização reúne mais de 300 mil adeptos, expande a militância por todo o país e entra em choques freqüentes com grupos democráticos. Em 1935 aprova a repressão à Intentona Comunista. Plínio Salgado lança-se candidato à Presidência da República nas eleições previstas para 1938. Elas, porém, não se realizam.
Com o golpe que instala o Estado Novo, os partidos são extintos e o espaço político do integralismo é reduzido. Desiludidos com Getúlio Vargas, os integralistas promovem o assalto ao palácio presidencial no Rio de Janeiro e pensam contar com a proteção do Exército para tomar o poder. Mas o presidente obtém o apoio da cúpula militar, e o golpe fracassa. Os integralistas são perseguidos e seus líderes, presos. Plínio Salgado é exilado em Portugal, e o movimento desarticula-se.